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sábado, 17 de janeiro de 2009

SINCRETISMO E METAMORFOSE:

COLAGEM COMO MONTAGEM


A impressão geral do sincretismo, e, portanto, do cinema sinestésico, é de vazio no detalhe ou no conteúdo, o que é uma ilusão; “...é altamente sensível ao menor sinal de pistas e provas mais eficientes em identificar objetos individuais. Nos impressiona como vazio, vago e generalizado somente porque a superfície focada na narrativa não pode aproveitar a sua mais ampla estrutura. O seu conteúdo, a sua precisão, tornou-se inacessível e inconsciente.

O cinema sinestésico proporciona um acesso ao conteúdo sincrético através da consciência inarticulada .... “podemos optar por ver a figura ‘significativa’ ou o terreno, o chão ‘insignificante’. Mas quando o ‘conteúdo’ da mensagem é a relação entre suas partes e quando a estrutura e o conteúdo são sinônimos, todos os elementos são igualmente importantes.” E na verdade esse deve ser o caso se alguém espera qualquer significado visual do cinema sinestésico.

Paul Klee, cujas pinturas sincréticas se assemelham intimamente com as obras do cinema sinestésico, falou sobre o “endotopico” (interior) e o “exotopico” (exterior) de uma imagem plana, salientando a sua igual importância no geral da experiência.


O cinema sinestésico, principalmente através da sobreposição, das fusões entre o endotopico e o exotopico, reduz a profundidade do campo, para um total domínio do não-foco e da multiplicidade. Além disso ele supera o senso convencional do tempo interligando e interpenetrando a dimensão temporal com imagens que existem além, fora do tempo.


A “ação” do filme ‘Dog Star Man’, por exemplo, pode ser todo o tempo de uma vida inteira ou apenas uma fração de segundo na consciência inarticulada de Stan Brakhage. Sublinho “ação”, como uma compreensão comum no cinema porque o sincretismo sinestésico substitui a montagem com a colagem.

“colagem é a análise dramática da ação”

“só um nível maior de realismo pode apoiar, suportar, a abstração da montagem”

O cinema sinestésico transcende a noção de realidade. Ele não “pica o mundo em pequenos fragmentos”, porque, ele não esta preocupado com o objetivo do mundo, em primeiro lugar. O novo cineasta esta nos mostrando seus sentimentos, suas sensações e percepções. A Montagem é efetivamente uma abstração da realidade objetiva; mas o sincretismo sinestésico é o único modo em que as manifestações da própria consciência podem ser aproximados sem distorção.


Não existe conflito na harmonia dos opostos. E não há nada que possa ser chamado como um “link”. Existe apenas um tempo-espaço contínuo, um mosaico de simultaneidade. Embora composto por elementos discretos, é concebido e editado como uma experiência perceptual contínua.


Um filme sinestésico é, basicamente, uma imagem que continuamente se transforma em outras imagens: m e t a m o r f o s e . Trata-se de uma força unificadora de todo o cinema sinestésico. A noção de unidade universal e simultaneidade cósmica é um resultado lógico dos efeitos psicológicos da rede de comunicação global.


A clássica tensão da montagem clássica é dissolvida através da sobreposição. Por exemplo: Nós temos as cenas A, B e C. Primeiro nós vemos A, então B é sobreposta sobre ela para produzir AB. Então A vai desbotando assim como C vai ganhando cor. Há um breve período de transição em que vemos ABC simultaneamente, e finalmente estamos olhando apena BC. Porém logo depois que BC foi criado, B começa a desaparecer para dar lugar a D e formar CD, e assim sucessivamente.


Somos forçados a admitir que a pura arte do cinema, existe quase que exclusivamente por causa da sobreposição. No cinema tradicional a sobreposição geralmente da a impressão de que dois filmes estão acontecendo ao mesmo tempo, no mesmo frame, na mesma trama e com suas respectivas conotações psicológicas e fisiológicas coexistindo separadamente. Já, no cinema sinestésico elas são uma imagem geral em infinita metamorfose.

Nos filmes de Stan Brakhage somos bombardeados por diversas imagens, e começamos a discernir essas imagens: fogo, água, ar; o nascimento de um bebê, um homem escalando, rostos, montanhas, um cachorro, o coração pulsando, o sol e a lua, nuvens, uma floresta...


A existência dessas imagens são de essência autônoma e estão sobrepostas não para realizar um “efeito dramático”, mas sim como uma espécie de matriz para o exercício psíquico por parte dos telespectadores.

Começamos a perceber que a tentativa de Brakhage é expressar a totalidade da consciência, a realidade contínua da vida presente.


A sobreposição não é usada como uma substituta econômica da ‘montagem-paralela’ - indicando simultaneidade mas também eventos-espaços-dimensões temporais (não existentes na consciência) separados espacialmente. Brakhage esta simplesmente presentado-nos com imagens orquestradas de tal forma que uma nova realidade se coloca fora delas.


Brakhage não nos manipula emocionalmente dizendo: “agora eu quero que você sinta medo”; “agora é hora de rir”. Isso faz parte do jogo do entretenimento comercial: uma arrogante degradação do cinema, usando o filme como uma ferramenta para o sensacionalismo barato. Isto não quer dizer que experiências espaço-temporal, ou de suspense, humor, ou qualquer outra emoção não esteja presente e não possa ser encontrada no cinema sinestésico. Muito pelo contrário: uma vez nos lidando com nossas próprias associações, a emoção é garantida.

No que ele chama de “visão dos olhos fechados”, Brakhage tenta simular, pintando e arranhando no filme, flashes e padrões de cores que nós só vemos quando nossos olhos estão fechados. Assim sendo, imagens mundanas podem assumir inteiramente novos significados e em alguns casos novas aparências. Nós paramos de rotular mentalmente as imagens e passamos a nos concentrar no sinestésico fluxo de cores, formas e movimentos.

Isto não é para sugerir uma experiência não-objetiva. As imagens desenvolvem seus próprios significados sintáticos e uma linha narrativa é percebida, através de uma determinada imagem dada que pode mudar de contexto em diferentes sequencias.

“Imagine um olho não governado pelas leis de perspectiva feitas pelo homem, um olho imparcial, sem preconceitos de lógica, um olho o qual não reage à nomes de tudo mas descobre cada objeto através de uma aventura de percepção. Quantas cores existem num campo gramado para um bebê que não sabe o que é "verde"? Quantos arco-íris pode a luz criar para uma olho não instruído. Quão atento à variações em ondas de calor este olho pode ser? Imagine um mundo vivo com objetos incompreensíveis e vislumbrado com uma variedade infinita de movimentos e inúmeras graduações de cor”

Stan Brakhage

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