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domingo, 18 de janeiro de 2009

Cinema Expandido - O Fim da Ficção


MITOPEIA: O FIM DA FICÇAO

o problema consiste em filmar e manipular a realidade não estilizada de tal maneira que se crie um resultado com forma e estilo”

O problema do qual se referia Panofsky acima era como trabalhar com as duas qualidades (habilidades) únicas para o cinema.

A primeira é a sua capacidade de captar e preservar uma imagem de tempo. Até o cineasta começar a interpretar e tecer comentários sobre o evento que ele captou; Assim, chegamos a segunda e exclusiva propriedade do cinema, seu elemento estético: a capacidade de pós-estilizar a realidade natural. Para entender este conceito nós precisamos analisar as três vertentes gerais em qual o cinema vem sendo historicamente dividido: ficção, documentário e o cinema dirigido.

A ficção cinemática deve ser entendida como pré-estilizada ou como realidade fabricada, manufaturada , que não existe antes da realização do filme. A única realidade verdadeira que permanece no filme finalizado é o objetivo de sensibilização de sua própria estilização. Ou seja, um filme de ficção baseado num cenário teatral aborda uma realidade pré-estilizada, destilada e registrada por meio da personalidade do escritor, e depois, visualizada pelo diretor, equipe, e atores. Isso não é a realidade objetiva, não é nem mesmo uma percepção de realidade do artista.


Um documentário também aborda a realidade pré-estilizada. O cineasta de documentários dá giros e reorganiza o material não estilizado em uma forma narrativa que explica aquela realidade para o espectador. Assim, um documentário não é uma explicação da realidade , mas sim a realidade de uma explicação.

Cinema dirigido é baseado na gravação real não estilizada da realidade como se ela existisse em um momento particular antes da filmagem. O cineasta sempre a altera, seja dando orientações ou de alguma outra forma como modificar os locais onde são realizado as filmagens (isto é, além das alterações inevitáveis como a sua própria presença). O cineasta se recusa intervir diretamente na realidade ante a sua câmera, e o resultado é a perde da estrutura já pouco organizada, tentando trazer esse tipo de cinema para mais perto da realidade atual.

O cinema sinestésico é todos e nenhum desses acima. Não é ficção porque , com poucas exceções, é inteiramente baseado na realidade não estilizada. Não é documentário porque a realidade não é organizada em uma explicação de si própria. E Não é o cinema dirigido porque o artista filma e manipula sua realidade não estilizada de tal modo que o resultado tem estilo e forma.

Este processo, melhor descrito como “pós-estilização”, é realizado através de cinemáticas equivalentes aos quatros estilos históricos de arte: realismo, surrealismo, construtivismo e expressionismo.


A cinemática do realismo já vem sido definida como “cinema dirigido”, capturando e preservando a imagem de um tempo, segundo a percepção através de eventos não estilizados.

A cinemática surrealista é atingida pela justaposição de elementos não estilizados tão incongruentes e remotos que cria uma proximidade numa dimensão extra, uma realidade que se coloca fora da interface.

A cinemática do construtivismo, como discutimos, é na verdade o tema universal do cinema sinestésico: uma declaração construtivista, um balanço do processo da sua própria autoria.

A cinemática expressionista envolve a alteração deliberada ou a distorção da realidade não estilizada, seja ela durante a fotografia com lentes, filtros, luzes, etc; ou depois da fotografia com a ótica da impressão, da pintura, ou num loop durante um filme.

A pós-estilização de uma realidade não estilizada resulta em uma experiência que não é realista e nem ficção, porque nenhum dos elementos é alterado antes da filmagem. Na sua essência um mito é criado, um mito nascido fora das justaposições dos paradoxos da realidade. Webster define mito como uma “história que serve para desdobrar parte do mundo de acordo com a visão de um povo ou para explicar a prática, a crença, os fenômenos naturais.”

O fenômeno natural explicado pelo cinema sinestésico é a consciência do cineasta. É um documentário da percepção do artista. Já que isso não é uma realidade física e sim mental. Uma realidade metafísica, isto é, um mito. O que vemos na tela não é um ato. Vemos um mito, mas um mito não menos verdadeiro do que a própria “realidade”. Esta é a realidade mitopoéica. Em um sentido torna a ficção obsoleta.

No início do filme Alphaville, Godard afirma: “existem momentos que a realidade se torna muito complexa para a comunicação. Mas a lenda encarna isto em uma forma que permite que isto se espalhe no mundo inteiro.” Este é o legitimo papel da ficção : a criação de um quadro que fornece insights em inacessíveis zonas da vida presente.

Obviamente, cineastas continuaram a pré-estilizar a realidade; em um sentido a própria natureza da arte é o rearranjo do meio ambiente para uma maior vantagem para a humanidade.

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